Desafios da Mulher Imigrante na Readequação Profissional em um Novo País: Construção, Perda e Reinvenção da Persona Profissional
- Mariana de Carvalho
- 13 de mar.
- 4 min de leitura
A construção da persona profissional começa cedo, antes mesmo da formação acadêmica estar concluída. Por exemplo, quando um jovem é aprovado no vestibular, ele já começa a moldar sua identidade profissional. A celebração do trote, os símbolos como camisetas da faculdade, canecas personalizadas e as brincadeiras familiares reforçam esse papel. Se o curso escolhido for enfermagem, por exemplo, surge o “script” que a pessoa começa a seguir: piadas como “se alguém passar mal, já sabe quem vai cuidar”, ou expectativas sobre o futuro profissional, como trabalhar em hospitais, passar em concursos públicos ou se especializar em áreas específicas como obstetrícia ou reabilitação.
Esses símbolos e interações ajudam a criar um senso de pertencimento, além de reforçar as expectativas próprias e das pessoas ao redor. Isso também fortalece o recém-formado, proporcionando segurança para entrar no mercado de trabalho. Esse padrão se repete em várias profissões, como advogados, médicos, professores, psicólogos, arquitetos, dentre outras.

A persona profissional não é apenas uma máscara, mas também uma armadura. Ela é reforçada por códigos de conduta, jargões, gestos e até mesmo pela vestimenta, que funciona como símbolo do papel desempenhado. Esses elementos ajudam a pessoa a se posicionar no mundo do trabalho, criando segurança e direcionamento no início da carreira.
O impacto da imigração para mulheres acompanhantes: desnudar e desmascarar
Não é incomum que muitas mulheres imigrem no papel de “esposa acompanhante”, ou seja, aquela que irá seguir o marido em sua nova aposta profissional. Sobre isso é necessário falar das questões de gênero que irão atravessar essas relações, pois sabemos que ainda há um abismo no que se refere as oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho.
Quando uma mulher imigra como acompanhante do marido, especialmente para um país onde as regras e práticas profissionais são diferentes, ela enfrenta uma desconexão abrupta com sua persona profissional. Por exemplo, uma pedagoga formada no Brasil perde seu status de quem educa, uma vez que, quando muda de país, ela passa a não conseguir exercer a sua profissão em uma língua que não é a sua nativa. No caso da Dinamarca, mesmo que ela saiba em inglês, ela não terá fluência na língua dinamarquesa. Além disso, muitas vezes, a sua educação do Brasil é incompativel com a da Dinamarca, e aqui, ela terá que fazer cursos extras ou até mesmo outra faculdade se quiser continuar atuando na sua área ou se quiser mudar de profissão.

Mulheres com outras profissões enfrentam desafios parecidos e, ao se mudarem para um país como a Dinamarca, se dão conta da dificuldade em exercer sua profissão. Isso ocorre porque sua formação no Brasil é voltada para um contexto específico e, em muito casos, não é transferível para o novo local de residência. Acontece, por um lado, em consequência dessa mudança profissional forçada, a criação de novos caminhos. Por outro lado, ao perder o status profissional que possuía, as mulheres sentem que perdem também prestígio, seu lugar de pertencimento e até a sua própria identidade. Esse sofrimento psíquico é intensificado por pressões externas, como as expectativas de familiares e amigos que frequentemente perguntam: “Já conseguiu trabalho? Está atuando na área?” Essas perguntas, mesmo que bem-intencionadas, podem reforçar o sentimento de inadequação e pressão para se readequar rapidamente.
A transição: redescoberta e reinvenção
Esse processo de adaptação é semelhante às transições históricas. Assim como a Idade Média não terminou de forma abrupta para dar lugar à Idade Moderna, a transformação profissional do imigrante também não acontece instantaneamente. Não foi em 31 de dezembro de 1492 que o homem medieval dormiu e, em 1º de janeiro de 1493, acordou “moderno”. Esse processo foi marcado por séculos de interseção entre práticas, ideias e tecnologias das duas eras. Fenômenos associados à Idade Moderna, como o auge do descobrimento da América, já vinham sendo moldados durante os últimos séculos da Idade Média.
Essa transição gradual também ocorre no contexto da imigrante. Ela carrega consigo elementos de sua persona profissional anterior, enquanto se abre para novas possibilidades no novo ambiente. Durante esse período de interseção, o indivíduo pode explorar talentos e interesses que antes não eram centrais em sua vida, mas que podem se transformar em caminhos viáveis para uma nova carreira.
Talentos e habilidades ocultas
Nesse processo de reinvenção, o indivíduo é convidado a olhar para si e identificar outras habilidades ou paixões que talvez tenham sido negligenciadas. Muitas vezes, essas capacidades estavam presentes como hobbies ou interesses secundários. Por exemplo, alguém pode descobrir talento para confeitaria, design gráfico, moda ou culinária típica. Essas paixões podem ser redescobertas e transformadas em oportunidades profissionais.

Não significa, no entanto, descartar tudo o que foi aprendido anteriormente. Todo conhecimento acumulado encontra formas de ser reutilizado, mesmo em contextos totalmente diferentes. É um momento de aceitar que a mudança é inevitável, mas que ela pode ser enriquecedora.
Momentos de transição: ciclos e continuidade
Momentos de transição, como na história, são sempre turbulentos. Assim como eras históricas são marcadas por revoluções, guerras e transformações culturais, as transições pessoais envolvem tensões e rupturas. No entanto, esses períodos também criam novas possibilidades. No contexto do imigrante, isso significa reconhecer que o fechamento de um ciclo abre espaço para outro.
A transição não é linear. Ela é fluida e contínua, como uma furta-cor, que mistura tonalidades e se altera de acordo com a luz que recebe. Durante esse processo, o indivíduo gradualmente incorpora elementos do novo ambiente enquanto ainda carrega traços de sua identidade anterior. Com o tempo, o novo ganha força e o antigo se distancia, permitindo que a nova persona profissional se consolide.
Conclusão
Readequar-se profissionalmente em um novo país é um processo complexo, que envolve transformações práticas, emocionais e identitárias. A persona profissional, construída ao longo de anos, é desafiada e transformada. Esse processo, embora difícil, pode ser uma oportunidade para redescobertas significativas. Assim como na história, o novo é criado a partir da interseção entre o que está terminando e o que está emergindo. Esse momento de transição é tanto um fechamento quanto um renascimento, onde o aprendizado do passado se mistura com as oportunidades do presente e do futuro.
Perfeito para toda a comunidade brasileira que vive na Dinamarca (ou em outro país).